Isso poderia ter muitos significados, mas eu gosto de pensar em dois em especial: o fato de que a pureza, a doçura e a inocência do pequeno príncipe são algo literalmente de outro mundo, algo raro, sutil, que não se vê por aí... Seu jeito especial, sua graça e sensibilidade, são tão raras em nosso mundo que não restou alternativa ao autor que não a de colocar sua origem em outras esferas....
O segundo significado, que já tinha sido esboçado
na análise dos primeiros capítulos, é a hipótese de ser o pequeno príncipe um
reflexo, ou uma projeção da Alma e psique de Antoine de Saint-Exupéry, e que
ele magistralmente personificou no principezinho.
E assim, o fato dele ser um extraterrestre poderia
ser melhor entendido se lembrarmos algo que o grande psicólogo suíço C.G. Jung
dizia a respeito da aparição de óvnis e casos semelhantes. Para Jung, essas
aparições e as questões relacionadas eram possivelmente uma manifestação
profunda do inconsciente coletivo, que diante de uma realidade difícil,
projetava no céu figuras circulares, esféricas e ordeiras, que transmitiriam
mensagem de uma “ordem superior”.
Tal como a improvável e repentina aparição de nosso
principezinho no meio do deserto do Saara, essas aparições espetaculares de
extraterrestres no céu, segundo Jung, refletem a mentalidade daqueles que as
observaram, a sua busca por ordem e sentido naquela fase de suas vidas. O
príncipe, e sua candura, seriam o retrato anímico daquela fase da
vida de Antoine...
Agora falando diretamente sobre o enredo deste
quarto capítulo, o autor de forma bastante incisiva renova suas críticas aos
padrões ocidentais, e talvez de um modo mais francamente sociológico.
Ao narrar como o asteróide de origem do pequeno
príncipe foi descoberto por um astrônomo turco, ele enfatiza o fato de que ele
recebeu nenhum crédito por sua descoberta apenas por causa das roupas típicas
que usava! E que ao trocar suas roupas por outras à moda ocidental, graças à interferência de um ditador turco que obrigou as pessoas a abandonarem suas
roupas de origem para copiarem europeus (outra crítica velada, mas incisiva ao
colonialismo europeu) finalmente foi levado à sério em sua descoberta: “As pessoas
grandes são assim” diz o autor no livro...E veja que estamos falando de uma
crítica à ostentação ocidental feita ainda nos começos do século passado,
quando nem mesmo se sonhava com o mundo da ostentação máxima em redes sociais,
instagram, facebook, etc...
“As pessoas grandes adoram os números. Quando a
gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não
perguntam nunca: "Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que
prefere? Será que coleciona borboletas?" Mas perguntam: "Qual é sua idade?
Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?" Somente então
é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: "Vi uma bela
casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado..."
elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso
dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam:
"Que beleza!"
E por falar em números, se voltarmos ao exemplo da
ostentação nas redes sociais, hoje em dia uma pessoa se torna celebridade pelo
número de seguidores que ela tem nestas redes. Falamos então que esta pessoa se
tornou uma “influencer” pois tem milhares de seguidores no instagram, e isso
virou até manchete: "A atriz tal, que é namorada de jogador tal, atingiu a marca
de tantos milhões de seguidores!” E essa notícia vira então destaque! Uau, ela
tem milhões de seguidores, deve ser alguém importante né??
E assim vai… Não há nada de intrinsecamente errado
nisso, não acredito que Antoine fazia um julgamento moral quando falou dos
números e da casa, no trecho acima. E tampouco nós aqui criticamos "influencer" e as pessoas que gostam deles.
É uma realidade atual, e se isso ocorre assim é
porque é deste modo que se distribuem os afetos atuais, e é essa distribuição
de afetos esquisita, essa valorização do que talvez não merecesse tanto valor,
que se critica aqui e no livro, e não as pessoas: por que nós valorizamos
números e atributos objetivos como beleza e posses e não atributos subjetivos
como a generosidade, o altruísmo, o jeito de ser? Por que damos destaque à roupa ou ao novo carro da celebridade e não aplaudimos o bombeiro que
salva as florestas das chamas, ou o gari que sob sol, chuva (e
pandemia) trabalha para deixar nossas ruas limpas? Quem são essas celebridades
anônimas? Quantos seguidores elas têm?
Como falei acima na postagem de introdução deste
capítulo, foi uma coincidência oportuna este capítulo estar sendo publicado durante a pandemia, pois a crítica ao mesmo sutil e cáustica de Antoine soa
muito atual, algo que ficará ainda mais destacado no próximo capítulo.
Pois somente agora, que nos vemos diante de uma
pandemia, quando o planeta nos obriga na marra a valorizarmos aquilo que é
essencial. Só agora, quando fomos obrigados, enxergamos e valorizamos aquilo
que se considera serviço essencial: Enfermeiros, médicos, entregadores,
motoristas, frentistas, veterinários, faxineiros, porteiros, e muitos e muitos
outros profissionais, que hoje estão ali na linha de frente, literalmente
arriscando suas vidas para NOS SERVIR, de maneira abnegada e corajosa, e que
somente agora aprendemos a dar o devido valor: foi necessária uma pandemia
global para descobrirmos que os milhões pagos ao jogador de futebol não têm o
mesmo valor real que o trabalho de um enfermeiro, que recebe poucas centenas de
reais…
Não precisamos nos alongar mais nesta
reflexão, pois acho que a mensagem aqui já ficou bem clara, e como falamos, a
realidade está se impondo…
Para finalizar esta 1ª parte, não
deixa der ser incrível notar que uma das mais famosas frases do pequeno príncipe
trata exatamente deste tema da essencialidade (frase esta que será objeto de
um profundo estudo mais adiante quando chegarmos no seu capítulo próprio).
Extrapolando propositadamente o significado original que Antoine deu à frase,
mas sendo fiel a sua crítica social já que no trecho acima ele também fala do
essencial, podemos nos adiantar um pouco na análise desta famosa frase e pensar
se O ESSENCIAL QUE É INVISÍVEL AOS OLHOS não se aplica também àquilo que nós
não sabemos valorizar devidamente.
Quais pessoas, quais profissões, quais
lugares que antes eram invisíveis para nós agora, por causa da pandemia e seus
perigos, não readquiriram significados? Quais lugares que antes não valorizamos
e que deixamos se tornarem invisíveis pelo hábito ou por qualquer outro motivo,
que agora, por conta quarentena readquiriram tanto valor?
Para exemplificar rapidamente, a praia, este lugar
comum e banalizado do Brasil nunca foi tão ardentemente desejado, nunca
sentimos tanta falta do mar, que apesar de estar tão perto para alguns, nunca
esteve tão longe agora, que somos proibidos de chegar perto dele… Claro que o
mesmo vale para outros lugares onde as restrições da pandemia nos impediram de
ir... Quais parques, lagoas, bibliotecas, lojas, que antes você, pelo hábito ou
comodismo achava que estariam ali para sempre te esperando agora você não
poderá mais vê-los?
https://www.facebook.com/Ensinamentos.do.Pequeno.Principe
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