A LIÇÃO 5 - O mistério dos Baobás
A pergunta que nosso pequeno herói faz, logo no comecinho deste
capitulo, se os carneirinhos são capazes de comer arbustos não é nada banal e
terá dramáticos desdobramentos no importante capítulo 7, e podemos deixar esta
parte da discussão para este segundo momento por ora, e mergulhemos no muito
misterioso tema deste capítulo que são os famosos baobás do Pequeno Príncipe.
Este foi um capítulo muito custoso de extrair significados, muito pelo fato de
que ele contém três possíveis mensagens embutidas, sendo duas delas mais
evidentes e a outra deveras oculta, cujo significado só é possível de ser
extraído se lembrarmos do lado ativista de Antoine e do contexto
político-ideológico no qual ele viveu, e o final, faleceu....
Além disso, não há dúvidas de que os baobás do nosso pequenino são
vilões, seres que podem destruir seu pequeno mundo, e este fato torna tudo
ainda mais difícil, afinal, onde quer que se pesquise os Baobás são, como
deveriam mesmo ser, Árvores sagradas por conta de seu simbolismo natural.
Nativas do deserto, árvores belas, centenárias e enormes, que armazenam água na
regiões onde elas se faz mais necessária, são resistentes ao fogo, possuem
frutos, são cruciais para a vida dos animais que vivem nessas regiões
áridas, oferecendo não apenas a água mas também o alimento e o abrigo. Essas
são algumas das virtudes naturais desta árvore, e além disso, apenas para
traçar outro paralelo, no sistema de florais australiano se prepara uma
importante essência de cura que aproveita exatamente este poder dela para
ajudar as pessoas que estão presas a padrões familiares destrutivos ou de auto
sabotagem.
Enfim, é uma árvore muito especial, e sendo assim, por que então
Antoine lhe atribuiu tão nefasto significado?!
Certamente ele conhecia tudo isso e sabia dos significados. Profundo
conhecedor do continente africano, por conta de suas viagens, certamente deve
ter travado contato com algumas das lendas que envolvem esta árvore pelos povos
nativos de lá. Dentre as muitas lendas, há algumas que associam a árvore com a
soberba e o egoísmo, o que é compreensível, não apenas pelo tamanho como também
pela aparência estranha e diminuta de suas copas. Esta provavelmente é a
inspiração para o autor ao meu ver, o que ficará ainda mais claro ao
destrincharmos aquele que parece ser o significado mais evidente deste
capítulo: uma crítica à indolência e ao egoísmo…
"É uma questão de disciplina, me disse mais tarde o principezinho.
Quando a gente acaba a toalete da manhã, começa a fazer com cuidado a toalete
do planeta. É preciso que a gente se conforme em arrancar regularmente os
baobás logo que se distinguem das roseiras, com as quais muito se parecem
quando pequenos. É um trabalho sem graça, mas de fácil execução."
A metáfora da jardinagem e o trabalho com a terra que o Pequeno Príncipe
cita diretamente nesta capitulo são coisas que já possuem em si mesmas um
significado especial, um simbolismo inerente e totalmente relacionado ao tema
do cultivo do Amor e do cuidado de que fala todo o livro. A arte da jardinagem
é uma arte de cuidar, de cultivar o belo, de preservar o bom e extrair o
nefasto...É um trabalho que exige disciplina, rotina, atenção, esforço físico,
contato com a terra, e é por isso, muito enobrecedor. O trabalhador da terra, o
campesino, o jardineiro, foram tradicionalmente consideradas nobres profissões
(ainda mais na França) apesar da sua humildade, ou talvez, justamente por ela.
Aliás esta menção que Antoine faz do cuidar da terra em todo este capitulo 5,
nos remete uma das suas citações mais famosas, de um outro livro seu que também
é uma obra prima chamado Terra dos Homens, onde ele magistralmente diz:
“Mais coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra
que todos os livros. Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um
obstáculo o homem aprende a se conhecer; para superá-lo, entretanto, ele
precisa de ferramenta. Uma plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai
arrancando lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele tem é
universal.”
Além disso, quem leu seus livros sabe que a terra, a areia e a vastidão do deserto sempre aparecem em seus escritos, uma metáfora da vastidão do nosso espírito, como eu já mencionei aqui na página numa das primeiras lições...
Mas voltando a este capítulo, poderíamos então ver este chamado ao trabalho
diário com a terra uma mensagem de coragem para encaramos de frente nossos
pequenos problemas cotidianos, arrancando o mal pela raíz “...enquanto são
pequenos…”, colocando a mão na terra, um dia de cada vez, com uma pequena mas
esforçada dose de trabalho diário poderemos preservar nossa terra (nossa mente,
nosso coração), e assim podemos pensar talvez em cultivar um bom hábito de
saude, promover uma boa mudança em nosso cotidiano, cuidar e manter aquilo que
nos sustenta, nosso corpo, nossas relações, ou, no caso do principezinho, nosso
planeta.
E aliás, aqui vem uma das mensagens mais poderosas do livro ao meu ver, ainda
mais se pensarmos em nossos dias atuais, que é uma mensagem visionária de quase
um século atrás, em favor da ecologia que se faz tão necessária e que
Antoine nos traz na seguinte frase extraída do trecho acima
…."Quando a gente acaba a toalete da manhã, começa a fazer
com cuidado a toalete do planeta...."
No dicionário de língua portuguesa, fazer a toalete tem significado idêntico ao
original do Francês, e significa não apenas a higiene corporal, e sim, todo o
cuidado ao corpo de se lavar, se embelezar, se vestir, se arrumar. Fazer a
toalete do planeta, neste sentido, ganha então um significado profundo do cuidar,
embelezar e preservar a natureza, como já dissemos acima. Mas ainda que nos
referirmos apenas ao significado de higiene para a palavra toalete, isso em
termos ecológicos já seria muito.
Se apenas a higiene do nosso planeta, somente isso, fosse melhor
cuidada, ao menos a poluição ambiental e o descarte de lixo já seriam melhor
endereçadas. Ou seja, já seria algo imenso, para não falar das outras questões
como preservação da fauna, do aquecimento global etc. Em suma, a mensagem
inicial desta passagem é a atenção com nosso amanhã a partir dos cuidados com
nosso hoje.
Dito isso destrinchamos as primeiras duas das três mensagens deste capítulo,
que são o elogio ao trabalho de autocuidado e o a atenção para com o planeta,
mas lá no primeiro parágrafo eu dissera que havia um terceiro significado mais
oculto por assim dizer, significado este que finalmente nos dá a chave para
entender afinal porque para Antoine os Baobás são vilões.
Árvores grandes, relativamente feias, que parecem sugar todos os
nutrientes para si, e que se não forem arrancadas pela raiz destroem todo o
planeta com seu egoísmo, são na verdade uma metáfora para algo muito terrível
que assolava o mundo na época que o livro foi escrito, o Nazi-fascismo.
Esta é, aliás, uma metáfora que é lembrada por outros comentadores da obra ao
redor do mundo (veja por exemplo o link abaixo do jornal New York Times). Antes
que se condene esta analogia como forçada e militante, vale lembrar que Antoine
era ele mesmo um militante antifascista e deu tanta importância a lutar contra
o nazismo que ao final ele deu a vida por isso, sendo morto em combate durante
a II guerra mundial!
E mais, se aceitarmos essa imagem ainda que por um momento, e com ela olharmos
novamente para este trecho destacado veremos que faz muito sentido:
“Com efeito, no planeta do principezinho havia, como em todos os outros
planetas, ervas boas e más. Por conseguinte, sementes boas, de ervas boas;
sementes más, de ervas más. Mas as sementes são invisíveis. Elas dormem no
segredo da terra até que uma cisme de despertar. Então ela espreguiça, e lança
timidamente para o sol um inofensivo galinho. Se é de roseira ou rabanete,
podemos deixar que cresça à vontade. Mas quando se trata de uma planta ruim, é
preciso arrancar logo, mal a tenhamos conhecido. Ora, havia sementes terríveis
no planeta do principezinho: as sementes de baobá ... O solo do planeta estava
infestado. E um baobá, se a gente custa a descobri-lo, nunca mais se livra
dele. Atravanca todo o planeta. Perfura-o com suas raízes.
As últimas frases deste parágrafos de modo muito especial refletem sua
preocupação com os acontecimentos da época em que o livro estava sendo escrito,
por volta de 1940, e ao se substituir o baobás pelo nazifascismo todo o
capítulo adquire um novo significado. O pensamento fascista na sociedade deve
ser arrancado pela raiz, e se deixarmos as sementes do pensamento totalitário
florescerem, a história nos mostra que o resultado é desastroso para todos.
Este foi um erro cometido pelos contemporâneos de Antoine, e este é um erro que
não devemos cometer hoje, destacando que aqui no Brasil o movimento neo-nazista
tem tido crescimento recordes nos últimos anos, como noticiou outro dia a Folha
de São Paulo.
Após anos de pesquisas em torno do simbolismo deste misterioso capítulo, esta
foi de longe a metáfora que mais fez sentido para mim, ainda mais pela sua
intensa atualidade.
Sendo este provavelmente o mais político dos capítulos do livro, ele nos deixa,
ainda que sutilmente, lições importantes para a nossa geração e para os dias
atuais , onde vivemos literalmente uma contagem regressiva para evitar o
apocalipse climático, e infelizmente também é muito atual no que se refere ao
combate ao fascismo, algo que vemos hoje em toda parte com a crise da
democracia liberal mundo afora, e de modo muito especial no Brasil de 2016 até
hoje....
Para
encerrar, uma curiosidade: há quem acredite
seriamente que os Baobás do Pequeno Príncipe tem raiz brasileira! Antoine teria
se inspirado ao visitar o nordeste brasileiro na década de 20 do século passado.
A este respeito veja as matérias abaixo
***Por Daniel Jaoude
contato danieljaoude@gmail.com
https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/opiniao/2019/08/o-baoba-e-o-pequeno-principe.html
Link para a matéria citada no
texto, do NYT:
https://www.nytimes.com/1993/09/19/books/arts-artifacts-a-charming-prince-turns-50-his-luster-intact.html?pagewanted=2&src=pm
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