A Lição 3, por conta de sua riqueza de significados, será dividida em duas postagens distintas. Abaixo a primeira parte:
O terceiro capitulo é um dos mais intrigantes do livro, pois nele o autor apresenta de forma mais sutil alguns temas que ele desenvolverá melhor ao longo do texto. Pode parecer, à primeira vista um capítulo de menor importância, sem grandes significados subjacentes, mas com a devida atenção percebemos reflexões de impacto que foram colocadas aqui, como um debate a respeito de nossas origens, a busca pela resposta do "De onde viemos?", e também apresenta, de passagem, uma das mais importantes lições do pequeno príncipe ao conversarem sobre a corda do carneirinho...Vejamos o seguinte trecho:
"Levei muito tempo para compreender de onde viera"
O
principezinho, que me fazia milhares de perguntas, não parecia sequer
escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso e que foram, pouco a
pouco, revelando tudo.
Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá-lo aqui, é muito
complicado para mim), perguntou-me bruscamente:
Que coisa é aquela?
Não, é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião.
Eu estava orgulhoso de lhe comunicar que eu voava. Então ele exclamou:
— Como? Tu caíste do céu?
— Sim, disse eu modestamente.
— Ah ! como é engraçado...
E o principezinho deu uma bela risada, que me irritou profundamente. Gosto que
levem a sério as minhas desgraças. Em seguida acrescentou:
Então, tu também vens do céu ! De que planeta és tu?
Logo
no começo deste trecho o autor nos mostra a dificuldade de entendermos
de onde vem aquela voz que de quando em quando nos assalta, a voz da
nossa criança interior, com seu encantos e caprichos ...Sua origem é
incerta, está envolvida em mistérios... Afinal, se somos adultos agora,
então, como poderíamos estar pensando como uma criança? Ou será que não
somos adultos ainda? (talvez o "ser adulto" seja só uma espécie cerca de
proteção que cresce ao redor da frágil semente que sempre fomos: uma
criança que só quer se divertir e brinca...Fica a reflexão...)
As
milhares de perguntas que faz o principezinho, sem querer escutar as do
piloto, são uma marca de sua curiosidade infantil, que como qualquer
criança, está mais atenta ao que sente interiormente do que prestando
atenção ao que querem os outros, ainda mais adultos...
As crianças tem esta sabedoria imensa que as faz estarem atentas principalmente ao que sentem, no AQUI e no AGORA, sem deixar a mente divagar muito pra longe, e no caso do principezinho, nada era mais importante que seu sentimento de curiosidade traduzido em mil e uma questões...
As crianças tem esta sabedoria imensa que as faz estarem atentas principalmente ao que sentem, no AQUI e no AGORA, sem deixar a mente divagar muito pra longe, e no caso do principezinho, nada era mais importante que seu sentimento de curiosidade traduzido em mil e uma questões...
Em seguida, o autor nos conta como falava orgulhoso de sua capacidade voar quando o seu pequeno amigo inverte seu pensamento e indaga, "Tu caíste do céu?". Esta é uma imagem de grande significado psicológico.
Nas tradições espirituais e na mitologia de vários povos (ex. Os Anjos caídos (Nefilim), Prometeu, ícaro, dentre muitos outros) a "queda do céu" é muitas vezes uma metáfora para o fim de um estado de pseudo-unidade ou pseudo-plenitude,
que leva aqueles que caíram deste estado original a uma árdua busca
pela volta ao paraíso perdido, só que desta vez por uma via real, de
verdadeira plenitude que sempre implica em uma maior ampliação de
consciência e um intenso autoconhecimento.
Este
significado de ser a queda uma jornada para o auto-descobrimento fica
ainda mais patente se lembrarmos da nossa primeira lição onde falamos a
respeito da imagem do deserto como uma metáfora da condição da alma em
busca de respostas às suas dores existenciais.
Além disso, há
uma grande referencia a um outro significado psicológico muito forte,
que tradicionalmente se atribui a queda do céu, que seria a derrota do
nosso orgulho, o embaraço causado por nos sentirmos impotentes diante de
eventos maiores que demonstram claramente que não éramos assim "tão
poderosos" quanto imaginávamos ser... No caso do nosso piloto, ele fica
embaraçado ao dizer que voava, mas caiu...E o modo como fica irritado
com a pergunta singela - "Tú caíste do céu?""- e que aos seus ouvidos
soa quase irônica pois retrata sua condição de impotência, fica patente
ao afirmar, "Gosto que levem a sérios minhas desgraças"....Aliás, aos olhos infantis e sábios de sua criança interior (o pequeno príncipe)
aquela queda era motivo de gargalhadas e não de lamúrias...Afinal, o
piloto estava ali, inteiro, vivo e bem, e o principezinho sabia que
aquela experiência de "queda" seria especial para seu amigo piloto,
marcando sua vida para sempre, fazendo descobrir sentimentos novos e
belos...Mas ele, com seu orgulho ferido, ainda não tinha percebido isso
naquele ponto...
Nenhum comentário:
Postar um comentário