sábado, 18 de fevereiro de 2017

LIÇÃO 3 - Segunda parte: SOBRE O AMOR E O DESAPEGO



Em seguida neste capitulo, o autor começa a insistir na grande questão das origens, e começa a indagar sobre a origem do pequeno príncipe passando a tentar elaborar o tema dos "outros planetas". Esta é uma questão psicologia que também é bem rica, versando a respeito dos outros níves da realidade, ou seja, os aspectos profundos de nossa mente que nos remetem a lugares mágicos, fabulosos ou encantados... Como essaa questão dos planetas é tema principal do autor no próximo capitulo, vou terminar esta terceira lição fazendo a analise do pequeno dialogo a respeito do carneirinho que encerra este capitulo, e que traduz um dos mais importantes ensinamentos do pequeno príncipe, e que será repassado varias vezes ao longo de todo o texto. O trecho é o seguinte:

"Mergulhou então num pensamento que durou muito tempo. Depois, tirando do
bolso o meu carneiro, ficou contemplando o seu tesouro.
Poderão imaginar que eu ficara intrigado com aquela semiconfidência sobre "os
outros planetas". Esforcei-me, então, por saber mais um pouco.
— De onde vens, meu bem? Onde é tua casa? Para onde queres levar meu
carneiro?
Ficou meditando em silêncio, e respondeu depois:
O bom é que a caixa que me deste poderá, de noite, servir de casa.
— Sem dúvida. E se tu fores bonzinho, darei também uma corda para amarrá-lo
durante o dia. E uma estaca.
A proposta pareceu chocá-lo:
Amarrar? Que idéia esquisita
— Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde...
E meu amigo deu uma nova risada:
— Mas onde queres que ele vá?
— Não sei ... Por aí ... Andando sempre para frente.
Então o principezinho observou, muito sério:
— Não faz mal, é tão pequeno onde moro !
E depois, talvez com um pouco de melancolia, acrescentou ainda:
— Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe ..."

Depois de ignorar a indagação do piloto, de forma tão típica como faz uma criança conforme já falamos, o Pequeno Príncipe começa a divagar a respeito das muitas outras coisas que ele magicamente observa no desenho que seu amigo lhe faz, e fica feliz em saber que seu precioso tesouro, o carneirinho, estava protegido com a caixa...
Neste ponto, agora de uma maneira tipicamente adulta de agir, o piloto tenta por assim dizer "barganhar" com a criança, de modo a força-la a agir conforme lhe convém (vejam a frase "se fores um bom menino"...), e como recompensa, promete ao pequeno príncipe adicionar uma corda ao desenho do seu carneirinho. 
O nosso herói não apenas ignora a tentativa de barganha como aproveita para deixar sutilmente uma preciosa lição, a respeito dos relacionamentos em geral, quando visivelmente chocado, pergunta "Amarrar ele? Porque? Que ideia estranha!"
Na mentalidade do pequeno príncipe, não faz o menor sentido amarrar o que quer que seja, ainda mais um amigo ou alguém de quem gostamos, como ele gosta do carneirinho. Mais adiante esta sua reflexão culminará na mais valiosa lição que ele nos dará, a respeito do significado de cativar. Mas aqui, por ora, resta apenas a provocação: Por que ""amarrar"" alguém? Se eu gosto dele, se quero seu bem, quero protege-lo, e estou feliz que tenha um abrigo numa caixa (meu coração?) porque irei desejar prende-lo, de qualquer forma?
Que tipo de amor e este que possui o que quer proteger? Que prende invés de libertar? Que loucura de apego seria essa afinal? Estas me parecem claramente as reflexões que o principezinho quer deixar ao seu amigo adulto...
Diante desta reação inesperada do Pequeno Príncipe, o piloto tenta, em vão, argumentar: "— Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde..."
A isso responde o principezinho apenas como uma  gargalhada, com o que para informar ao ingênuo adulto que quando se gosta de algo, quando se ama de verdade sem apego ou "amarras", ninguém se perde ou vai embora pois aquele amor nos pertence para sempre, pelo nosso lado de dentro, e não pode desaparecer...Estaria por assim dizer abrigado na "caixa" (o nosso coração)...

Mas como o amigo adulto não podia compreender estas coisas tão simples da arte de amar, o Pequeno Príncipe se esforçando para compreender lhe pergunta, como se quisesse entender o motivo de tamanho medo de perder o ser amado, a ponto de querer amarrá-lo:

— Mas onde queres que ele vá? ( ou qual é seu medo para deixar esta ser livre?)

Ao que o piloto de pronto respondeu:
— Não sei ... Por aí ... Andando sempre para frente.

Esta resposta do piloto dá ensejo a outra reflexão concernente a este mundo adulto tão cheio de si. Pois uma simples pergunta como esta, de "qual seria seu medo em deixa-lo livre?" enseja uma resposta um tanto perturbada e irrefletida: "Não sei...Por aí...Sempre em frente"... Denotando claramente a atitude irracional que justificaria "amarrar" alguém, para que não pudesse "tomar seu rumo", ou seja, seguir "sempre em frente" de maneira Livre, ao invés de preso em algum lugar ou a alguém...Novamente uma ênfase sutil na questão do "Ame e liberte", jamais "prenda e apegue"....

Não é difícil de imaginar como esta questão da liberdade seria importante para um  apaixonado piloto de verdade, como era de fato Antoine de Saint Exuspéry. A liberdade de ir, vir, viver e amar  não era apenas um ideal vazio mas sim a razão de sua existência, o motivo de sua vida como piloto, algo que fica ainda mais claro nas leituras de suas outras obras, como os livros "Terra dos Homens" ou "Piloto de Guerra" e outros...
Mas aqui, em sua obra-prima, ele fala especificamente de sentimentos, amor, laços e amizade. E neste tom que devemos tentar encontrar o significado de suas palavras. Aliás um importante ponto que deve ser destacado na leitura do Pequeno Príncipe é que, ao meu ver, não existe nele nenhuma frase vazia ou sem significado maior subjacente. Cada frase guarda um segredo, uma possível interpretação, por ser uma espécie de confissão íntima das angústias da alma de Antoine naquele momento, e que ele dividiu aqui, poeticamente, conosco....Pensando desta forma então, a última frase que analisamos do piloto (— Não sei ... Por aí ... Andando sempre para frente) se conjugada com o que o Príncipe diz em seguida, traz ainda uma outra significação um pouco mais crítica. Vejamos:

Então o principezinho observou, muito sério:
— Não faz mal, é tão pequeno onde moro !
E depois, talvez com um pouco de melancolia, acrescentou ainda:
— Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe ...
Mas antes de fazer esta  sutil observação crítica, da qual falaremos, o Príncipe destaca que toda estão questão da prender ou não o seu carneirinho ( o ser amado) não faz sentido algum pois afinal seu planeta é pequeno...

Esta ode ao pequeno, singelo e simples é uma verdadeira e profunda marca do autor, presente em todo o livro, conforme veremos ainda muitas vezes. Tudo do principezinho é diminuto, simples, delicado, pequeno... Como que para sinalizar que as grandes questões de trata a obra, o amor, laços, sentimentos e amigos, são questões que apenas aqueles que são simples, sensíveis e singelos como o principezinho poderão entender.... E deste modo então, ele não precisa prender o carneirinho, pois com seu amor ele sempre estará ali por perto, pois seu mundo (seu coração?) é simples, é singelo, só tem aquilo que é importante, ou seja, é pequeno....
E por fim, destacando a gravidade da sentença seguinte ao dizer que foi dita com melancolia pelo Pequeno Príncipe, o autor dá voz a importante critica de que falamos acima: — "Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe ..."
O significado desta frase, por conta da melancolia com que é dita, deixa claro que se trata de uma importante mensagem, uma critica ao modo adulto de pensar, que valoriza não apenas o amarrar alguém, como também tem a pretensão de achar que a única alternativa a estar preso é seguir sempre em frente, em linha reta, sem meios termos, sem idas e vindas, sem o colorido, sem o sobe e desce natural da vida sentimental, mas unicamente a linha reta, a rigidez de caminhos o seguir em frente, apenas em tons de branco, preto  e cinza, sem mesmo saber o porquê disso ( Lembremos o constrangimento do piloto ao dizer, " Não sei...Por aí...Sempre em frente...)
E por que o principezinho fica triste e melancólico? Por que sabe que aqueles que pensam deste modo unilateral e obtuso não experimentam a verdadeira vida sentimental, não poderão ir longe mesmo, não mergulharão  profundamente no que tange aos assuntos do coração, com seus inevitáveis solavancos, rupturas e reatamentos, brigas e separações, tal como ele mesmo vive com sua amada rosa... Lembremos que a melancolia é privilégios dos muitos sensíveis, apaixonados e românticos, aqueles cujas almas são profundas e poéticas...Não tem melancolia que vive num coração raso...Para viver de verdade é preciso sair da linha reta, ousar, mudar, voltar, tergiversar, sofrer, voar....
Enfim, é preciso ser mais criativo e corajoso nos assuntos do coração, ir e vir muitas vezes para regar sua amada rosa. apenas para se machucar novamente e tornar a partir de novo.... Não basta seguir em frente, é preciso estar pronto a se aventurar por todo o universo para tentar descobrir a resposta para os segredos do seu coração, tal como ele mesmo o fez, ao pedir carona a sua carruagem de pássaros, e seguir universo afora em busca das respostas para entender seu Amor pela rosa... Por pensar nisto tudo é que ele, o princepezinho, estava triste e melancólico, e enfim afirmou ao encerrar este capitulo: "Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe"... Talvez quisesse dizer, Não vai a lugar algum aquele que não se arrisca a sentir profundamente, se machucar, permitindo-se ser vulnerável às dores do coração...E isso só existe para aqueles que amam em liberdade, "sem amarrar" ou prender a nada ou ninguém...

LIÇÃO 3 - Primeira Parte: A QUEDA DO "CÉU"



A Lição 3, por conta de sua riqueza de significados, será dividida em duas postagens distintas. Abaixo a primeira parte:


O terceiro capitulo é um dos mais intrigantes do livro, pois nele o autor apresenta de forma mais sutil alguns temas que ele desenvolverá melhor ao longo do texto. Pode parecer, à primeira vista um capítulo de menor importância, sem grandes significados subjacentes, mas com a devida atenção percebemos reflexões de impacto que foram colocadas aqui, como um debate a respeito de nossas origens, a busca pela resposta do "De onde viemos?",  e também apresenta, de passagem, uma das mais importantes lições do pequeno príncipe ao conversarem sobre a corda do carneirinho...Vejamos o seguinte trecho:

"Levei muito tempo para compreender de onde viera" 
O principezinho, que me fazia milhares de perguntas, não parecia sequer escutar as minhas. Palavras pronunciadas ao acaso e que foram, pouco a pouco, revelando tudo.
Assim, quando viu pela primeira vez meu avião (não vou desenhá-lo aqui, é muito
complicado para mim), perguntou-me bruscamente:
Que coisa é aquela?
Não, é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião.
Eu estava orgulhoso de lhe comunicar que eu voava. Então ele exclamou:
— Como? Tu caíste do céu?
— Sim, disse eu modestamente.
— Ah ! como é engraçado...
E o principezinho deu uma bela risada, que me irritou profundamente. Gosto que
levem a sério as minhas desgraças. Em seguida acrescentou:
Então, tu também vens do céu ! De que planeta és tu?

Logo no começo deste trecho o autor nos mostra a dificuldade de entendermos de onde vem aquela voz que de quando em quando nos assalta, a voz da nossa criança interior, com seu encantos e caprichos ...Sua origem é incerta, está envolvida em mistérios... Afinal, se somos adultos agora, então, como poderíamos estar pensando como uma criança? Ou será que não somos adultos ainda? (talvez o "ser adulto" seja só uma espécie cerca de proteção que cresce ao redor da frágil semente que sempre fomos: uma criança que só quer se divertir e brinca...Fica a reflexão...)
As milhares de perguntas que faz o principezinho, sem querer escutar as do piloto, são uma marca de sua curiosidade infantil, que como qualquer criança, está mais atenta ao que sente interiormente do que prestando atenção ao que querem os outros, ainda mais adultos...
As crianças tem esta sabedoria imensa que as faz estarem atentas principalmente ao que sentem, no AQUI e no AGORA, sem deixar a mente divagar muito pra longe, e no caso do principezinho, nada era mais importante que seu sentimento de curiosidade traduzido em mil e uma questões...

Em seguida, o autor nos conta como falava orgulhoso de sua capacidade voar quando o seu pequeno amigo inverte seu pensamento e indaga, "Tu caíste do céu?". Esta é uma imagem de grande significado psicológico. 
Nas tradições espirituais e na mitologia de vários povos (ex. Os Anjos caídos (Nefilim), Prometeu, ícaro, dentre muitos outros) a "queda do céu" é muitas vezes uma metáfora para o fim de um estado de pseudo-unidade ou pseudo-plenitude, que leva aqueles que caíram deste estado original a uma árdua busca pela volta ao paraíso perdido, só que desta vez por uma via real, de verdadeira plenitude que sempre implica em uma maior ampliação de consciência e um intenso autoconhecimento.
Este significado de ser a queda uma jornada para o auto-descobrimento fica ainda mais patente se lembrarmos da nossa primeira lição onde falamos a respeito da imagem do deserto como uma metáfora da condição da alma em busca de respostas às suas dores existenciais.
Além disso, há uma grande referencia a um outro significado psicológico muito forte, que tradicionalmente se atribui a queda do céu, que seria a derrota do nosso orgulho, o embaraço causado por nos sentirmos impotentes diante de eventos maiores que demonstram claramente que não éramos assim "tão poderosos" quanto imaginávamos ser... No caso do nosso piloto, ele fica embaraçado ao dizer que voava, mas caiu...E o modo como fica irritado com a pergunta singela - "Tú caíste do céu?""- e que aos seus ouvidos soa quase irônica pois retrata sua condição de impotência, fica patente ao afirmar, "Gosto que levem a sérios minhas desgraças"....Aliás, aos olhos infantis e sábios de sua criança interior (o pequeno príncipe) aquela queda era motivo de gargalhadas e não de lamúrias...Afinal,  o piloto estava ali, inteiro, vivo e bem, e o principezinho sabia que aquela experiência de "queda" seria especial para seu amigo piloto, marcando sua vida para sempre, fazendo descobrir sentimentos novos e belos...Mas ele, com seu orgulho ferido, ainda não tinha percebido isso naquele ponto...